A idéia que gerou o livro "música para..." agora continua em versão blog. Matérias, entrevistas, fotos, opiniões. O blog que contempla a música.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Especial Recife-Olinda_Era uma vez

Era uma vez...uma loja de discos

texto e fotos por Josie Moraes

Dia ensolarado com brisa fresca. Um verão diferente, daqueles que faz bem para as narinas. Existe mesmo a diferença do turista e do morador. O primeiro vê tudo com o olhar estrangeiro. O segundo segue a rotina, acorda, pega ônibus, vai para o trabalho , volta pra casa. E só. Numa viagem vale a experimentação. Pegar um ônibus em horário de rush, ir à farmácia, comprar pão, visitar o shopping da cidade, ler o jornal do dia, caminhar no centro comercial. Bingo.

Era isso. Antes, uma passadinha no mercado São José. De comida a artesanato. Toalhas, batida (parece rapadura), sarapatel, bonequinhas minúsculas, esculturas populares de barro, elementos de decoração, instrumentos, figuras do candomblé, cordel pra lá, cordel pra cá, por todos os lados. Ufa! Nos corredores um calor abafado, um cheiro de tudo o tempo todo. Para negociar preços, uma malandragem é mais do que necessária. Eles comem daquilo.

A caminhada seguia até o lugar certo. Na passagem, o Centro. Roupas baratas e ditando uma moda urbana parecida com o que passa na novela das oito. “Paçoca, suspiro, cocada, jujuba” dá-lhe Vanessa da Mata tocando em todas as lojas. Tem a farmácia popular, o sorvete custa menos de um real, churrasco grego também é uma opção de almoço, igrejas e mais igrejas passam pelo caminho. Uma arquitetura velha, parte reconstruída, parte deixada ruir. Ônibus, muito ônibus.

O destino: uma simples lojinha de CD - Oficina da Música. Um verdadeiro antro de nomes e figuras. Recomendado por um legítimo pernambucano, além de músico e fotógrafo. De longe parecia mais um lugar comum. Mas nota-se o diferencial na primeira batida de olho. Nas prateleiras, ao lado das camisetas com a orgulhosa bandeira pernambucana estilizada, nada de rótulos a la FNAC. Apenas nomes por ordem alfabética. Os mestres Siba, Zé Neguinho do Coco, Aurinha do Coco, Naná Vasconcelos, Mestre João Paulo, Maracatu Nação de Pernambuco, Mestre Salu, Tom Zé, Mestre Ambrósio, Silvério Pessoa, Maracatu Estrela Brilhante, Mestre Ferrugem, Alceu Valença, Itamar Assumpção, Antônio Nóbrega, Lenine. Ao tentar achar algum disco raro é possível achar mais outros ainda mais surpreendentes.

Em segundos, um êxtase, melhor do que qualquer droga. A empolgação toma conta do pequeno espaço e logo é preciso da ajuda de um profissional. Sim, profissionais. Não é qualquer um que pode vender disco naquela loja. Surpreendentemente um não-músico, apenas um estudioso, curioso, aguçado. Desprendido de qualquer bairrismo imbecil. A grande dúvida era a respeito dos novos. Quem? Como? Nessa hora, o profissional abre as caixinhas e coloca para tocar todos os títulos desconhecidos. Apenas pelo prazer de dividir conhecimento. Ao apresentar as composições faixa-a-faixa ainda indicava: “isto é frevo”, “percebe? é maracatu nação”, “aquilo é coco ciranda”, “este cara é o novo maestro Spok”. Delírio. Horas e horas. Uma sensação de tempo ganhado jamais sentida em um banco de Universidade ou curso acadêmico.

Impagável! Então a descoberta de um baú de tesouros: Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, Cascabulho, Academia da Berlinda, Suvaca diPrata, Mira Negra, Tiné, Isaar, Mombojó, Soul Zé, Orquestra Contemporânea de Olinda, Spokfrevo Orquestra, Eddie.

Logo menos aqui.



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Vale a pena!

Loja Oficina da Música: Avenida Guararapes, 86 – Lj.04. Santo Antônio/ PE

terça-feira, 20 de maio de 2008

Opinião_ Evento de SBC


Virada ao avesso

texto por Josie Moraes
foto: Marcelo Célio (vista do Paço Municipal de São Bernardo do Campo - exclusivo - direitos reservados)

No final de semana, São Bernardo do Campo recebeu alguns artistas para a programação da chamada "Virada Cultural do interior". Nomes questionáveis, mas no mesmo conceito de miscelânea musical gratuita. Viola caipira, heavy metal, rock, música brasileira, banda independente, banda jabazeira de rádio, etc. Enfim, para todos os gostos.

No Paço Municipal molecada em peso. Sensação total de divisão de tribos, pra lá os manos, pra cá os rockeiros, do outro lado os "emos". Tudo definido pelo jeito de se vestir, andar em grupos e falar. Típico comportamento dos jovens em fase de formação. Aliás, uma cena que reflete tal transição adolescente foi vista no show da banda Autoramas (muito bom por sinal): um grupo de rapazes -de no máximo 18 anos - acionou um extintor de incêndio no meio da galera, ao lado de dois seguranças, que demoraram cinco minutos para entender a confusão.

O que intriga é a quantidade de lojas surf wear que o ABC ostenta. A falta de filmes de arte nos cinema da região. A quantidade de placas de carro que atravessam a Anchieta todos os dias para ir para o trabalho, por falta de opção na própria cidade. A precariedade de transporte público para as cidades vizinhas. A existência de parques bonitos e ausência de estímulos para s músicos locais.

Claro! Os sabiás e galos ainda cantam todas as manhãs. O urbano ainda é bastante verde. As pessoas se cumprimentam na rua. O trânsito não se compara a nenhuma Marginal. Os bairros carregam um estilo antigo de tranqüilidade. Mas até quando? Está mais do que na hora de acordar para o absurdo da mentalidade de achar que São Paulo é longe e de que o ABC é mesmo uma cidade de interior.

Ora, são 781.390 habitantes. Um índice de desenvolvimento humano de 0,834 e uma renda per capita de 21 mil reais. Sendo 17,7 km de distância da capital.
Quem não quer crescer fica dentro do casulo. Prefere culpar o caos do meio em que vive do que justificar a própria incompetência de tentar virar borboleta.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Pimentinha_Bastidores da música


Do outro lado do palco

por Josie Moraes


Ser cantor, compositor, músico, pintor, jornalista é uma coisa. Ser artista é outra. Parece a piada dita no Congresso tempos atrás: "Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa". Mas é a mais pura verdade. Nos bastidores tem de tudo. Para simplicicar, classifico dois tipos de posturas: "gente que mete a mala" e "gente que não mete a mala". Isso não tem a ver com fama, sucesso, ou patamar alcançado. De um lado, a imprensa. Jornalistas em busca de status e credenciais para garantir um lugar grátis e bem localizado. Como diz um editor meu "o típico jornalista de carteiradas". Comprometem toda a cadeia desgastada da relação entre jornalista e assessor de imprensa, já que só estão interessados em boquinha livre e histórias para contar para os amigos.


Se observar os assessores de imprensa então, teria um post gigante. Eles são úteis, mas infelizmente são recém-profissionalizados. Levam tanta carcada de jornalistas sabichões que a síndrome de MM (meter a mala) acaba contaminando. É comum encontrar o assessor-família, que além de assessor é tio, pai, primo, irmão ou qualquer pessoa que estava desempregada e viu no parente famoso a chance de ganhar dinheiro. Em média é fácil reconhecer. São os que mais dançam nos shows e fazem questão de deixar claro o quanto o assessorado é ocupado na hora de marcar uma entrevista. Tem também o assessor-pavão, que se acha mais famoso que o próprio assessorado, geralmente artistas frustrados. E por aí vai...

É triste quando a síndrome de MM atinge toda a equipe, começando pelo artista ou vice-versa. Alma de artista no palco e podridão artística nos bastidores. Exigências mil, falta de respeito com outros profissionais, contratos absurdos, orçamentos abusivos, ego mais do que centrismo. Trágico é ver que quando estão com holofotes focados se transformam em seres amáveis, gentis e cordiais.

Enquanto isso, quem não "mete a mala" se apresenta como músico, trabalha como profissional e encara o palco como a expressão máxima da sua arte, sem esquecer de valores humanos quando desce dele. Aí que está a diferença entre ser músico e ser artista. Ai se os fãs soubessem...

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Especial Recife-Olinda_Chico Science



Malungo sangue bom


texto e foto por Josie Moraes

Inevitável não lembrar de Chico Science ao dizer Pernambuco. Aquele mesmo do chapéu de panamá, tênis e óculos grandes. O marco que a Nação Zumbi e Francisco de Assis França deixaram na música brasileira é para poucos, raros. Mais do que maracatu com rock, um liquidificador de sons verde-amarelos. Um legado de verdade, daqueles que mudam a história de outras pessoas, de um Estado, de um povo.


Um som inteligente, empolgante, raiz, hibridizado. Talvez apenas uma forma do Brasil conhecer o Brasil, contado por letras, harmonias, batuques e melodias. Ao pesquisar a cultura pernambucana, uma hora ou outra se esbarra no manguebit. Um braço de um conjunto de tradições tão rico, que provoca influência na economia local.


Mas de tudo que o malungo sangue bom de Peixinhos conquistou, o que mais impressiona é o respeito adquirido. Numa conversa de bar, numa entrevista com artistas de teatro, nas esquinas arquitetônicas, nos monumentos da cidade, nas palavras de mestres dos mais tradicionais, nos discursos políticos. Science sempre aparece com respeito e admiração na fala dos pernambucanos. Um herói que não morreu de overdose. Valorizado depois da morte, mas mesmo assim um herói. A consistência da obra da Nação Zumbi, que continua na ativa sem perder a criatividade, talvez seja a maior prova de que a arte tem o poder de se tornar imortal.